Vozes do inconsciente (Estudo do livro Alice no País das Maravilhas) - Estudo 3
O
capítulo três tem como título: Uma corrida maluca e uma longa história.
Ao final do capítulo anterior, Alice diminui de tamanho e acaba caindo na lagoa
formada por suas lágrimas. De repente, da solidão angustiante ela passa para um
ambiente onde se vê cercada por uma pequena multidão de animais curiosos, em
sua maioria pássaros. Todos perdidos no meio daquela lagoa e procurando um
local para poderem se secar. Esse objetivo prático logo torna-se o principal
motivo de discussão. Logo um pássaro, o Dodô, dá a ideia de todos entrarem numa
corrida do seca-seca, o que acaba sendo acatada por todos.
A primeira questão, claro, era como se enxugar:
confabularam sobre isso e, após alguns minutos, pareceu muito natural a Alice
ver-se conversando intimamente com eles, como se os tivesse conhecido a vida
toda. Na verdade, teve uma discussão bastante longa com o Papagaio, que acabou
se zangando e só dizia: “Sou mais velho que você e devo saber mais”; isso Alice
se recusava a admitir, sem saber quantos anos ele tinha, e, como o Papagaio se
negou categoricamente a revelar sua idade, não havia mais nada a dizer. (CARROL,
Pg 31, 2005)
Bom,
esse é um capítulo complexo. Alice, primeiramente, consegue chegar a “outro
lugar” sem necessariamente passar pela porta que queria tanto abrir. Porta que,
por acaso, não é mais citada depois que ela diminui e é arrastada pelas lágrimas/águas
da lagoa. Essas lágrimas/águas, enquanto elemento líquido, está associado
psicologicamente ao inconsciente, à alma, aos sentimentos e ao fluxo da vida.
Esse mergulho no inconsciente leva Alice a outro lugar, permitindo a sua
passagem. Segundo O’Connel e Airey (2011), a viagem pela água está associada à
morte e à transformação.
O
primeiro animal que ela encontra é um camundongo, animal que está associado com
a sexualidade feminina, a luxúria e a voracidade, e também pode estar ligado à
fecundidade. Uma coisa que chama a atenção nesse capítulo é a corrida do
seca-seca, que, na verdade, pode ser comparada a uma dança em círculos,
simbolizando a mudança e o fluxo da vida, isso tudo em um círculo que
representa a eternidade e a totalidade do cosmos, assim como o absoluto e a
perfeição. Isso pode indicar que a mudança que ocorre em Alice faz parte do
ciclo da vida e está ligada à perfeição do cosmos.
Outra
coisa que chama a atenção é que a assembleia de animais é composta em quase sua
totalidade por pássaros. Estes são considerados personificação do espírito e da
alma, uma metáfora para uma experiência mística.
Para
mim, o capítulo mostra o mergulho de Alice em seu inconsciente e cada
personagem encontrado nesse mergulho parece oferecer um aspecto diferente de
sua personalidade adormecida, destacando as dúvidas, os conflitos e toda a
insegurança. O Papagaio, por exemplo, é um símbolo diretamente ligado ao
inconsciente, e qual é a discussão que ele inicia com Alice? “Eu sou mais velho
do que você!” – sim, o que está no centro da discussão é a idade, quem é o mais
velho. Logo em seguida, após o camundongo tomar o protagonismo e iniciar o seu
discurso, o pato – um símbolo ligado às emoções – o interrompe. Para finalizar
o exemplo dos pássaros temos o Dodô, o representante de uma espécie extinta que
tende a representar aquilo que está obsoleto ou ultrapassado, que já não vale
mais. É dele que parte a ideia de uma corrida em círculos para alcançar o
objetivo de se secar.
Por
vezes, vale salientar, o camundongo representa a sexualidade, a fecundidade e
todo esse aspecto, essa gama de sensações que toma conta do corpo da mulher
durante a puberdade. Parece querer “forçar a barra”, mas há momentos no texto
que essas sensações surgem com um erotismo velado. O primeiro momento é quando,
ao acabar seu discurso, o camundongo se vira para Alice e pergunta como ela se
sente. Alice responde: “Mais molhada do que nunca. Isso parece não me secar
nadinha”. E o outro momento, levando em conta que esse animal na psicanálise
também é um símbolo fálico, é quando a atenção de Alice se volta para o rabo do
camundongo e diz assombrada: “Comprido ele é, sem dúvida”.
No
livro A Interpretação dos Sonhos, Sigmund Freud afirma que o território do
inconsciente é imenso. Isso nos dá a ideia de que existe outro mundo dentro de
nós a ser explorado. E
nós, como seres humanos cheios de emoções, traumas, loucura, culpas,
enfrentando nossos monstros interiores continuamente, vamos materializar isso
por meio de objetos e de formas animadas através de paisagens interiores que
compõem esse mundo inexplorado. Segundo Philippe Gentry (1982): “numa sequencia
de imagens que se encadeiam por associação, à maneira de um sonho, salientando,
porém, que se trata de outro espaço além do sonho”. Um lugar onde nossos conflitos
interiores dão a palavra às vozes do inconsciente. Esse mundo interno e
desconhecido é o mundo a que chamamos de Inconsciente.
Na
concepção de Carl Gustav Jung (2016), esse mundo consiste no mundo escondido,
desconhecido de cada indivíduo. Um mundo que foge ao controle da consciência.
Ele exerce uma poderosa influência em nossa vida, e isso é algo que não damos
conta e nos passa despercebido, mas que vai influenciar gradativamente nossas
emoções, comportamentos e atitudes.
O
conceito de Inconsciente para Jung difere do conceito de Freud. Para Jung, ele
é uma fonte de conteúdos que nunca se cala e ninguém pode calar. Daí as vozes
que nele se manifestam às vezes parecerem uma multidão ou um monte de animais
molhados procurando se secar. A força criativa do Inconsciente se manifesta
aqui na busca de uma maneira para conseguir ficar seco.
Mas
podemos dizer que o que acontece no interior de Alice é o que acontece com
todas as mulheres durante a puberdade? Não estou dizendo isso, pois Alice é uma
personagem de um livro interessante e enigmático demais para ser ignorado. A
análise que faço não é de especialista, mas de alguém que leu isso nas
entrelinhas e que foi guiada por uma série de símbolos encadeados em uma
sequência lógica de eventos. Não vou dizer que acontece com todas as mulheres,
mas pode ser que alguma se identifique com a ideia.
Vamos
falar um pouco do Inconsciente na visão de Carl Jung. Para ele, o Inconsciente
se divide em duas camadas: O Inconsciente Pessoal e o Inconsciente Coletivo. O
primeiro seria o reservatório de todo material consciente que foi esquecido ou
reprimido. O Inconsciente pessoal, portanto, tem um papel importante na
produção dos sonhos. Todo o seu conteúdo, por mais absurdo e sem sentido que
pareça, é real. Já o Inconsciente Coletivo consiste em toda herança espiritual
de evolução da Humanidade. Nele somos todos iguais e não entidades separadas,
pois todos são “um”. Esse conceito me leva a pensar que dentro de nós, em
nossos sonhos e nossos processos evolutivos, temos algo em comum, que nos liga
como indivíduos. E nesse ponto talvez todas as mulheres, durante a puberdade,
tenham uma porta para atravessar e um jardim a alcançar.
Esse
estudo me tem levado a estudar a obra de Jung e suas ideias fascinantes sobre o
inconsciente. Um dos livros que li e me ajudou a iniciar minha jornada nesse
tema foi O Homem e seus Símbolos, de Jung. E esse livro será minha indicação de
hoje para quem quiser entrar nessa aventura dentro da psicanálise e na
interpretação dos sonhos.
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