A voz do personagem
Em Grande Sertão Veredas, Guimarães
Rosa narra a história em primeira pessoa, usando um recurso muito peculiar que
dá ao livro um tom de diário do sertão, ao dar voz ao jagunço Riobaldo,
personalidade sertaneja que o autor “assume” para contar a história. Esse
artifício, apesar de brilhante, torna o texto um tanto difícil de se
interpretar para aquelas pessoas que não estão acostumadas com as
características regionais da linguagem do sertão mineiro.
A voz que o autor coloca no personagem
está dentro daquilo que se chama “licença poética”, um lugar onde as regras da
língua pátria não se aplicam. Nesse nível, o personagem, se for jovem, pode
falar em gírias, como é o caso dos livros da série Os Olimpianos de Rick
Riordan, onde a história é narrada pelo personagem Percy Jackson de uma forma
divertida e espontânea. Se for uma pessoa simples e sem muito estudo pode errar
as palavras, se for estrangeiro pode modificá-las tentando acertar. Mas uma
coisa é certa: essa é uma estratégia que consegue trazer o personagem para mais
perto da realidade, aproximando-o do leitor. É claro que o contrário também
pode ocorrer e o personagem em questão pode se mostrar extremamente culto e
conhecedor das regras formais da língua pátria. Existem autores que gostam
de colocar nos personagens uma linguagem mais suja, de cunho sexual e com
muitos palavrões, aproximando-o de uma linguagem das ruas, mais popular apesar
do teor mais pesado.
Em meus livros costumo usar um tom
neutro, às vezes até meio teatral e dramático, principalmente em meus livros de
fantasia onde há muito heroísmo envolvido e situações complexas a serem
resolvidas, o que me faz tomar o uso da fala do personagem para explicar algum
fato ou contar alguma história dentro da história, seguindo a linha de Tolkien.
Nesse tipo de estratégia, regras são burladas. O autor tem o domínio de seu
mundo e cria cada personagem com características próprias e sabe como
apresentá-los ao leitor. Nos livros de Dan Brown seus personagens são cultos e
nos conduzem a uma aula de história da arte e da religião (ainda que com fatos
fictícios) que desembocam no desenrolar do mistério, mas genialmente sem
revelar os segredos principais e nos fazendo de ouvintes-alunos.
Um terceiro tipo de voz é aquela que se
encaixa no contexto da época em que a história é escrita. Os clássicos O Médico
e O Monstro, de R.L. Stevenson, e O Fantasma da Ópera de Gaston Leroux são bons
exemplos desse tipo de voz. Mas aqui também se encaixa toda a literatura
clássica, dei apenas dois exemplos. Hoje, para retratar esse tipo de fala, o
autor de hoje necessita fazer pesquisas sobre expressões da época e outras
informações históricas.
Então, se você ainda está buscando a
voz de seu personagem, deixe-o livre para falar com o leitor, sabendo que não estará
quebrando regras, mas dando voz à criatividade. Culto ou simplório, popular ou
heroico, jovem ou velho, não importa. O que importa é que o leitor pare para
escutá-lo.
Agora vou deixar com vocês a capa de alguns dos
livros que foram indicados aqui.
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