Autores problemáticos e suas obras emblemáticas


 

Geralmente, como leitores, nos encantamos por certos livros ao ponto de nos tornarmos fãs, vestirmos camisetas, irmos a encontros literários sobre aquela obra e muitas outras coisas. A forma como exaltamos as obras faz com que esqueçamos de que elas são escritas por pessoas de carne e osso. Pessoas com virtudes, mas também com defeitos. E algumas dessas pessoas possuem defeitos muito difíceis de engolir. Mas até onde isso prejudica a obra escrita, aquela que entrou para a história e conseguiu erguer uma legião de leitores fiéis? Vou falar aqui de três autores cujos defeitos já conseguiram manchar sua trajetória de sucesso. Mas o que foi escrito e encantou multidões, como fica? A obra deve ser julgada junto com quem a criou? Vamos conhecer aqui três exemplos.

 

1.       Lewis Carroll e a pedofilia.

Pelos padrões de hoje, ele teria se classificado como um pervertido de primeira com uma propensão à pornografia infantil. Isso mesmo pessoal. Charles Lutwidge Dodgson, também conhecido como Lewis Carroll, autor de um dos melhores exemplos de literatura sem sentido, “Alice no País das Maravilhas”, pode ter sido um reverendo e diácono de uma igreja anglicana, bem como um professor de matemática em Oxford, mas também foi um pornógrafo infantil. Em seu tempo livre, Dodgson tirou mais de 3.000 fotos em uma época em que a fotografia era um assunto moderno. De acordo com o Smithsonian,  metade dessas imagens era de crianças nuas ou um tanto nuas. Pelos padrões vitorianos, no entanto, era perfeitamente normal para um homem adulto tirar fotos das crianças e despi-las para a câmera. Na verdade, fotos de crianças nuas frequentemente enfeitavam cartões de aniversário e eram usadas para estudos de arte. Mas mesmo que a sociedade aceitasse essa prática, Dodgson era um pouco desonesto. Acontece que Dodgson gostava um pouco demais de Alice Liddell, para quem escreveu “Alice no País das Maravilhas”, a ponto de seus pais eventualmente cortarem todo contato entre o fotógrafo/autor e sua jovem filha. Apesar das acusações, nada nunca foi provado sobre a pedofilia de Carroll, mas elas serviram para manchar para sempre a biografia desse autor de escrita enigmática.

 

2.       Marion Zimmer Bradley e o abuso infantil.

Em 2014, a autora de As Brumas de Avalon foi acusada de abuso sexual por sua filha, Moira Greyland, que afirmou ter sido molestada dos 3 aos 12 anos. Em um e-mail para o The Guardian , Greyland disse que não havia falado antes porque achou que os fãs de sua mãe ficariam bravos com ela por dizer qualquer coisa contra alguém que defendeu os direitos das mulheres e fez com que muitas delas se sentissem diferente sobre si mesmas e suas vidas. Ela não queria machucar ninguém que sua mãe tinha ajudado, então apenas manteve a boca fechada. Greyland também afirmou que ela não foi a única vítima e que foi uma das pessoas que denunciou seu pai, Walter H. Breen, por abuso sexual infantil pelo qual ele recebeu várias condenações. Por sua própria admissão, Bradley estava ciente do comportamento de seu marido, embora ela tenha optado por não denunciá-lo. Desde que as alegações foram tornadas públicas, dois dos filhos de Bradley, Moira Greyland e Mark Greyland, falaram longamente sobre suas experiências e vários autores famosos de ficção científica condenaram Bradley publicamente. Até eu tomar conhecimento dessa história, Marion era uma das autoras que eu tinha como referência, então posso dizer que foi um grande choque de realidade.

 

3.       J. K. Rowling e a homofobia.

JK Rowling  zombou de um artigo que se referia a “pessoas que menstruam”, uma escolha de palavras para refletir a realidade de que nem todas as mulheres cisgênero menstruam, enquanto alguns homens transgêneros o fazem. Ao invés de refletir sobre a simples inclusão da frase, Rowling irrompeu nela, argumentando que isso equivalia a uma negação da realidade do sexo biológico, e insinuou que fazer isso é invalidar a legitimidade dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. “Apagar o conceito de sexo remove a capacidade de muitos discutirem significativamente suas vidas”, ela twittou. “Se o sexo não é real, não há atração pelo mesmo sexo. Se o sexo não é real, a realidade vivida das mulheres globalmente é apagada.” As pessoas trans, ela argumentou, não estavam meramente apagando as mulheres e a igualdade no casamento; também estavam, como um artigo que ela postou sugeria, “aterrorizando” lésbicas cisgênero ao entrar em espaços femininos. Estava longe de ser o primeiro flerte de Rowling com a retórica anti-trans. No final do ano passado, ela atraiu a atenção internacional por vir em defesa de Maya Forstater, uma notória transfóbica britânica. Forstater, uma pesquisadora e feminista “crítica de gênero”, um termo popular no Reino Unido para um tipo de feminismo que questiona e muitas vezes rejeita a inclusão de identidades transgênero.

Diante desse quadro, fica a pergunta: Como classificar as obras que tanto amamos pelos erros de seus criadores? E os outros livros que lemos e amamos sem conhecer a vida do autor? Esses foram três exemplos que vieram a público, mas e os outros? É assustador pensar sobre isso. Ainda acho que as obras nos conquistam pelo que elas são. Harry Potter, de cara, me conquista pela magia, pela amizade dos protagonistas, pela história de heroísmo. As Brumas de Avalon continua sendo uma das minhas versões favoritas das lendas arturianas. Alice no País das Maravilhas é um clássico que mexe comigo ao ponto de eu estar desenvolvendo um estudo sobre ele. Talvez eles não carreguem a culpa dos pais. No entanto, essa é uma questão delicada e cada um reage a ela de formas diferentes. De qualquer forma, espero que o texto tenha agradado. Não dá para divulgar nenhuma obra direta desses autores depois desse post, mas posso indicar uma biografia de Lewis Carroll para quem quiser saber mais sobre sua história.



 


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